Um iceberg de outra galáxia


Alguns dos mais famosos filmes de ficção científica foram realizados no início da década de 50. Poucos anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial e já com a Guerra Fria em curso – soma-se a isso o macartismo nos Estados Unidos –, é previsível que explorar filmes do gênero poderia ser rentável. Era impossível saber o que esperar dos acontecimentos e, com uma mídia não tão globalizada, aos níveis de velocidade e alcance como atualmente, qualquer boato difundido poderia se transformar, depois de muitas vezes contato, em uma “verdade”. O mundo vivia com medo, sob os efeitos da falta de confiança; os comunistas – ou “vermelhos”, como eram chamados nos Estados Unidos –, devido à posição de inimigos que assumiram, poderiam ser responsáveis pela destruição mundial. Precisou um extraterrestre chegar na Terra como alerta para esse conflito e avisar os líderes mundiais sobre os males dessa guerra mais ideológica que propriamente sangrenta. Esse alienígena, chamado Klaatu, não mostrava grande expressão, falava de forma direta e, somente às vezes, demonstrava alguma paixão. Como era de se esperar em um bom filme americano, seu alienígena não tomava partido a favor de nenhuma nação do planeta, apenas pedia pela calmaria, pelo cessar fogo – e, ainda mais curioso (ou redundante) é o fato de ele pousar justamente nos Estados Unidos. Seria esse um país correto para iniciar sua cruzada anti-guerra?

O diretor Robert Wise, trabalhando com texto baseado na história de Harry Bates, não podia, naquele momento específico, apontar os problemas para os Estados Unidos. Deveria passar sua mensagem de forma única, como se todo o planeta estivesse com problemas crônicos. Os soldados mostrados, no entanto, ainda surgem como uma crítica explicita ao militarismo. Eles são tão inexpressivos que se igualam, em maioria, ao grande robô Gort, uma poderosa arma a serviço de Klaatu. Não há nada o que fazer com esses militares, mas, observados como uma massa e como os representantes diretos das bestialidades bélicas de sua nação, eles enfim recebem alguma posição relevante. Contra a classe e a exatidão das palavras de Klaatu (talvez o alienígena mais enigmático do cinema) há os homens fardados do exército. Torna-se, então, uma disputa inglória – essa, a maior vitória do filme de Wise e que continua a passar despercebida para muitos espectadores. A crítica viva em O Dia em que a Terra Parou funcionou muito bem em uma época de constante medo no coração da maior e mais poderosa nação do planeta. Era um tempo em que o medo dos comunistas poderia fazer surgir desconfianças sobre qualquer cidadão, das pessoas no trabalho aos moradores do mesmo bairro. Ter um comunista escondido em casa era como ter um alienígena na mesma posição – ou seja, pessoas com “outra visão sobre o mundo”.

Essa história considerada ingênua demais aos públicos atuais guarda todo o potencial do cinema da época. E isso não quer dizer que o cinema atual conseguiu superar produções como essa, com roteiros mais complexos e histórias consideradas mais intimistas. A verdade reside na maneira como a obra fora conduzida, necessariamente e superficialmente fácil; por outro lado, em suas entranhas existia uma linha genial capaz de conduzir o espectador ao verdadeiro significado dos seres vindos do espaço. Nem mesmo as nações mais poderosas, repletas de armas, poderiam conter um singelo pedido de paz. As coisas simples de uma produção B são assim: hoje, elas precisam de muito para fazer assustar. Wise, um cineasta competente, conseguiu levar às pessoas uma visão impensável sobre o planeta. No início, como numa narrativa documental, o texto expõe a situação muito antes dos personagens; as pessoas estão em desespero mesmo sem a presença de um protagonista ou da bela mulher capaz de conquistá-lo. Mais de 50 anos depois, O Dia em que a Terra Parou ainda possui uma bela sugestão de história de amor. Sugestão por que a personagem de Patrícia Neal apenas nos minutos finais do longa desenvolve algum tipo de afeto especial pelo alienígena interpretado por Michael Rennie. Sem segredos, ela é a mãe de um garoto e viúva de um soldado morto na guerra. Infiltrado no meio das pessoas, o alienígena não consegue entender o porquê do ódio entre os terráqueos – ou melhor, o porquê de tanta burocracia diária nas relações pessoais, a distância entre homens, aqueles minutos de impaciência que poderiam ser evitados facilmente.

Klaatu permanece lembrado como uma espécie de iceberg de outra galáxia. Seu rosto de pedra não diz muito, mas, aos poucos, provoca empatia e, quando menos se percebe, faz parte do imaginário popular. Um dos grandes feitos de O Dia em que a Terra Parou é fazer com que ele e Gort surjam como dois lados de uma mesma moeda. Enquanto um representa a inteligência e a capacidade de comando, o outro apenas obedece a ordens – e, em contrapartida, tem poder suficiente para destruir o planeta. Em certo ponto do filme, Klaatu entrega três palavras mágicas à Helen Benson (Neal): “Klaatu barada niktoh”. Isso seria o suficiente para manter o controle do grande Gort (por debaixo da roupa de borracha encontrava-se o gigante porteiro do Teatro Chinês de Grauman, em Los Angeles, Lock Martin, com 2,35 metros). Para interpretar o filho de Benson, chamado Bobby, fora escalado o típico garoto americano, Billy Gray, a ligação entre o alienígena e sua heroína. Outro personagem de destaque é o professor Jacob Barnhardt, vivido pelo ótimo Sam Jaffe, de clássicos inesquecíveis como Gunga Din e O Segredo das Jóias. Com um elenco muito bem escolhido, o trabalho de Wise passou, então, a investir mais nas reações destes – fruto de ótimos diálogos – e não nas cenas de ação, apesar de algumas poucas. Ao se concentrar nas relações verbais entre personagens, principalmente nas promessas do que poderia ocorrer caso Klaatu não resolvesse conceder à Terra uma segunda chance, o filme funciona como os diálogos de autoridades nas salas de guerra daquele momento histórico (situação parodiada por Kubrick em Dr. Fantástico). O patético torna-se aceitável em um filme B como esse.

Na época de seu lançamento, O Dia em que a Terra Parou não foi considerado ridículo graças a sua facilidade em se assumir um filme de ficção e recheado de situações impossíveis. Hoje, com uma platéia cada vez mais cínica, seduzida pelos efeitos visuais e pelas riquezas de uma produção milionária, um trabalho do tipo acabou voltado apenas aos fãs do gênero. Mas tentaram ir além. No final de 2008 foi lançado nos Estados Unidos uma nova versão do filme, com Keanu Reeves no papel de Klaatu. Naturalmente, acreditaram que um ator inexpressivo como Reeves daria conta de um papel “inexpressivo”. Não eram somente o rosto de pedra de Rennie e seu olhar enigmático as qualidades que saltavam à frente; ele era também um ator cujo charme deixou transparecer no alienígena, a ponto que sua frieza podia conquistar mesmo quando se mostrava em considerável distância. As poucas qualidades salientes de Reeves não foram capazes de tanto.

Outro grande filme B de ficção científica lançado em 1951 foi O Monstro do Ártico, dirigido por Christian Nyby e produzido por Howard Hawks. O filme, diferente do trabalho de Wise, leva o suspense da presença alienígena para um lugar remoto, distante da civilização. Possui, também, algumas cenas antológicas, como aquela em que os pesquisadores fazem um circulo em volta da nave congelada. Foi um momento rico para o cinema fantástico e, apenas dois anos depois, chegaria às telas Guerra dos Mundos, agraciado com uma nova e inferior versão em 2005. É interessante notar que algumas fórmulas funcionavam melhor em outras épocas. Há mais de cinqüenta anos, o público mostrava-se mais conivente com histórias de ficção aparentemente divertidas. Isso se perdeu enquanto procuravam conservar as velhas idéias em produções voltadas aos novos públicos. Filmes como O Dia em que a Terra Parou exigem um pouco de conhecimento de história, pois, caso contrário, acabarão imprimindo as primeiras impressões. A loucura da época, por conseqüência, será apenas algo fictício.

De http://cinemasemtempo.blogspot.com

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