Berlin Alexanderplatz - A Solidão Cria Rachaduras de Loucura até nas Paredes


A solidão da peça principal de Rainer Werner Fassbinder, nessa minissérie que estreou na televisão e que leva o nome de uma praça alemã, provém da impossibilidade de um cafetão apaixonar-se. Mas a surpresa é que Franz tornou-se dependente de uma jovem garota e não consegue viver sem ela. Chegou a se humilhar na presença dela. “Gado de corte! É isso que eu sou”, lembra ele, após ser avisado por Mieze que deverá engravidar Eva. Somente após as explicações de sua atual companheira, sobre sua impossibilidade de gerar um filho, surge a compreensão quanto à necessidade verdadeira de fazer um filho na outra mulher. Seria, também, a única maneira de herdar uma criança fecundada a partir de uma mulher próxima a ele. Eva e Mieze são mulheres do mundo, sendo difícil imaginá-las como mães de um mesmo bebê. Mas eis que surge esse pacto e, para mostrar o quanto um homem pode ser vítima de suas fraquezas, usam o “gado de corte” para reproduzirem os seus desejos. Mieze, próxima de Eva, diz não ser lésbica, após ser questionada. As cenas apresentadas por Fassbinder, no entanto, arquitetam um dos momentos mais belos entre duas mulheres já mostrados. Está ao nível de Juliette Binoche e Lena Olin em A Insustentável Leveza do Ser ou mesmo Stefania Sandrelli e Dominique Sanda, entre flertes e tango, em O Conformista.

As mulheres mais importantes da vida de Franz fazem dele alguém enraizado nessa Berlim repleta de caos. E no pacto gerado por elas está uma ironia voltada ao próprio protagonista: assim como fizera junto a Reinhold, quando trocavam de mulheres como se estas fossem mercadorias, agora é a vez delas fazerem o mesmo. Se existe amor, fica mais fácil amansar o “gado”. (Vale lembrar que Berlin Alexanderplatz mostra, em seu decorrer, inúmeros paralelos entre homens e animais, como se estes não fossem capazes de assumir um posto de racionalidade capaz de levar a Alemanha a um bom futuro. Como mostrou a história, não foram.) Para piorar, um homem mais velho e bem vestido leva Mieze para uma viagem.

Ao aceitar o pacto, Eva torna-se a possível mãe de um filho de Franz. Existe, para ambas mulheres, uma espécie de gratidão, de gosto doce, em escolhê-lo como um reprodutor em potencial. Nutrem um respeito por ele, como se fosse um mentor, aquele com poder para conceber às prostitutas nomes de trabalho. De uma forma ou de outra, ele construiu sua própria Babilônia mental, onde, como no inferno, sofre e, ao mesmo tempo, sente prazer. Repetir palavras de homens engajados politicamente não faz dele alguém melhor, mais nobre – do contrário, torna-se alguém ainda mais perdido, aconselhado por Eva a deixar de freqüentar locais onde discursos comunistas são proliferados. Tornou-se vítima das coisas que criou.

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