Berlin Alexanderplatz - O Externo e o Interno e o Segredo do Medo do Segredo


O mau e a fúria podem ser um ceifador a serviço de Deus. Qualquer outra citação com paralelos bíblicos mostrados nessa gigante série feita para a televisão alemã ainda surtem diferentes efeitos sobre o público. Sem precedentes na história, Berlin Alexanderplatz aproxima-se de seu desfecho num tom de arrepiar – e é nesse clima que Fassbinder evoca um grande trabalho de direção de atores. O exemplo disso é a seqüência em que a gangue de Pums reúne-se para decidir seu futuro. De qualquer forma, o clima dos discursos comunistas parece ter chegado até mesmo ao círculo dos criminosos, pois os homens abaixo do chefe querem uma quantia dividida em partes iguais após cada roubo. Para resolverem isso, a idéia é que não roubem mais mercadoria; o negócio mais propício para divisão seria o dinheiro, ou seja, a recompensa bruta após cada furto. E, enquanto decidem sobre o futuro dessa organização criminosa, Fassbinder desliza a câmera no meio de uma sala provavelmente inspirada nos filmes de gangsters realizados nos Estados Unidos na década de 30 e 40. É um clima sombrio, grotesco, recheado de rostos conhecidos e alguns repugnantes; definitivamente, um ninho de cobras bem treinadas – interpretadas, todas, por atores de grande calibre, a começar por Gottfried John, como o insuportável Reinhold e sua maneira mansa de falar com os amigos de trabalho.

Outro grande ator do elenco é Franz Buchrieser, como Meck, que, após um roubo frustrado a um cofre, tem uma de suas mãos queimadas. Ajudado pelo amigo Franz, sente que deve contar sobre Mieze, sobre o quanto Reinhold é um grande trapaceiro. E o personagem principal da série, estupidamente, está cego, não quer enxergar. Logo na abertura de O Externo e o Interno e o Segredo do Medo do Segredo, Franz surge com batom na boca, com chapéu de mulher e meia-calça. Está usando os trajes de sua amada, desaparecida por três semanas. Seu apartamento transformou-se num cortiço, com roupas e objetos por todos os lados. Mostra-se tão aterrorizado quanto no quarto episódio, quando começaria sua mutação e o retorno à vida bandida. Naquela situação – como na primeira cena desse episódio – estava entregue às bebidas. Pobre Franz. Foi enganado por muitos durante toda série; mostrou-se bom e, ao mesmo, brutal, incapaz de aceitar sentimentos alheios quando esses pudessem lesá-lo. Trata-se de um homem perdido, deslocado, fruto de um país em transformação – por isso, move-se sem qualquer sentido, aceita qualquer coisa e, nitidamente, está suplicando por mudanças, cansa-se fácil. Prefere ver sua mulher morta e fiel que o contrário. E é exatamente essa sua reação ao saber da morte de Mieze, por intermédio de Eva. Sorri, de felicidade, na informação de que ela sumiu porque estava morta e, assim, provava fidelidade ao companheiro. O cafetão apaixonado, engolido pelo lixo de seu apartamento e pelo lixo que se tornou, chega ao desfecho da série assim: avaliar suas perdas pode trazer ainda mais dores de cabeça. No entanto, nos últimos momentos, jura vingança. Isso não trará Mieze ou seu braço de volta. Fará dele apenas o que sempre foi: o animal fadado à desgraça, em constante desespero.

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails