Desidério Murcho

Sucesso escolar

Desidério Murcho
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Universidade Federal de Ouro Preto

Quando o ensino se democratizou e massificou, descobriu-se que a escola portuguesa não sabia ensinar quem não vinha ensinado de casa. A escola estava preparada apenas para ensinar quem já dominava o vocabulário das classes altas e quem já vinha motivado para o estudo. Quem não estava nestas condições via a escola como um corpo estranho, não conseguia transitar de ano e acabava por abandonar a escola. Os sucessivos Ministérios da Educação têm tido por objectivo político e social óbvio, e de aplaudir, o combate ao insucesso e abandono escolares — talvez mais por vergonha perante as estatísticas que nos comparam com outros países da Europa do que propriamente por genuína vontade de melhorar o país. Contudo, este objectivo não tem obtido os resultados desejados por duas razões principais, possivelmente entre outras.

A primeira é o elitismo dos responsáveis educativos. Estes partem sempre do pressuposto de que os filhos das famílias culturalmente carenciadas precisam de aprender "educação matemática" em vez de matemática, por exemplo, porque a matemática a sério é para os filhos das outras famílias. Daí o facilitismo escolar e as disciplinas inventadas, que a nada de academicamente sólido correspondem — é uma tentativa de "facilitar" os coitadinhos que não podem ter qualquer interesse em música erudita, física quântica ou geografia. Ironicamente, qualquer professor sabe que é muito mais difícil cativar os estudantes, sejam eles quais forem, com fantasias vácuas do que com as disciplinas centrais do conhecimento. Para chegar aos alunos culturalmente carenciados o que tem de mudar é a linguagem, a abordagem e sobretudo a atitude — e não os conteúdos centrais.

A segunda razão está intimamente relacionada com a primeira. Dado que nenhuma atenção tem sido dada desde há quase trinta anos à solidez científica dos programas, dos manuais e dos professores, a incompetência grassa. Como referiu Vasco Pulido Valente (PÚBLICO, 8/3/2008), as universidades são muitíssimo responsáveis neste caso, pois deitam para o mundo licenciados e mestres que não têm as competências básicas. Sem a solidez científica de programas, manuais e professores não pode haver sucesso escolar. Os professores que mais cativam os estudantes são os mais cientificamente informados — aqueles que o ministério actual está a espezinhar, fazendo-os perder horas sem fim em trabalho burocrático, em vez de estarem a estudar, como deveriam, ou a partilhar os seus conhecimentos com os alunos.

Não interessa se a culpa inicial foi das universidades, do elitismo dos responsáveis educativos ou da pura incompetência dos responsáveis ministeriais. O que interessa é que se crie um clima de cooperação, para que se consiga fazer melhor do que se fez até hoje. Somos todos humanos e só cooperando entre todos, uns mais informados e competentes outros menos, poderemos melhorar o ensino. Se houver cooperação, mesmo os menos competentes terão a vontade e o estímulo para estudar e para tentar fazer melhor.

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