Closer

Três filmes sobre Verdade e Sinceridade

A verdade é um dos temas essenciais da filosofia. Mas a filosofia se perde no tema, teorizando sobre ela. Já o cinema ... Ele não nos dá bons insights?O que é a verdade? Eis a pergunta de Pilatos. Sem dúvida, nada melhor do que em um julgamento para se colocar tal questão. Três filmes entre 2004 e 2005 tratam do assunto, considerando de modo agudo o ponto de vista contemporâneo: “Closer”, “The Family Stone” e “La mujer di mi hermano”.Aprendemos que o ponto de vista contemporâneo a respeito da verdade herdou da modernidade uma junção entre verdade e sinceridade, típica dos românticos (Rousseau à frente), que talvez seja uma das fontes de nossos infortúnios. A verdade é objetiva, pois ela se expressa por meio de um enunciado que, em princípio, deveria poder ser avaliado. A sinceridade é subjetiva, e os mecanismos pelos quais a avaliamos não poderiam ser os mesmos pelos quais avaliamos a verdade. Esse é o tema que percorre os bastidores das três películas.Em “Closer”, Mike Nichols vai além da “dissecação dos relacionamentos afetivos modernos” com o seu quarteto: Júlia Roberts, Jude Law, Clive Owen e Natalie Portman. Nichols coloca as mulheres longe de quererem a verdade ou a sinceridade. Elas querem amar e serem amadas. Querem viver. Julia Roberts é uma fotógrafa que deseja ser feliz, após um casamento fracassado. Tanto no relacionamento com Clive Owen quanto com Jude Law, ela se satisfaz com o que é o bom sexo, a paixão, a cama, o amor. Natalie Portman, que é balconista e stripper, vai mais além de Julia: para ela mentira e verdade estão abaixo de qualquer interesse válido. Tudo, talvez, seja sempre uma grande mentira. Então, para que querer saber a verdade? Viver, amar, fazer sexo, curtir sem grandes ambições – eis o que vale a pena para ela. Nem Julia nem Natalie querem baladas – muito menos sexo, drogas e rock and roll. Querem apenas uma vida de casadas, talvez monótona, contanto que o sexo seja bom. Seja “para valer”.Já os homens, diferem em muito delas. Eles são, digamos assim, os filósofos. O médico Clive Owen clama pelo que Rousseau clamaria. Ele exige que as mulheres não só digam a verdade, mas ele entende que isso tem a ver com sinceridade e cobra o tempo todo tal virtude. Sem sinceridade, somos brutos – é seu lema. O jornalista Jude Law clama pelo mesmo, de modo muito mais radical: ele quer a verdade das mulheres, a qualquer preço. Sem a verdade, somos animais – é o seu lema.Nietzsche apontou bem para o desejo da filosofia de encontrar a sinceridade e a verdade não mais como tarefa legítima, mas como dissimulação de fracos. De fato, as mulheres são as não-fracas da trama: elas fazem seu destino. Os homens, incapazes de viverem, querem o que não poderíamos nunca ter, talvez. Clive Owen, quando perde Julia, quer sinceridade até o final. Quando a recupera, o faz mostrando a mais nítida sinceridade. Jude Law, quando abandona Natalie, o faz em nome da verdade. Quando perde Júlia, a verdade é o que o atrapalha. Quando volta com Natalie e não consegue segurá-la, eis aí que tudo se estraçalha exatamente por causa da verdade, no caso, desnecessária.Julia sabe de tudo, o tempo todo. Não há nem verdade nem mentira, embora a última ainda lhe cause alguma culpa. Natalie pode não saber a verdade o tempo todo, mas isso porque para ela a verdade e a mentira são ficções criadas pela universalidade da mentira, de modo que alguns ainda possam vir a achar que a mentira não se universalizou. Ela é a única personagem que, durante o tempo todo, sabe que o reino da mentira é o nosso único reino. Sua libido se move em torno disso. Sem isso, não há vida. É interessante notar sua manipulação daquele que parece ser o grande vitorioso do filme, Cliven Owen. Só ele tem a verdade de tudo estampada em sua cara, mas obcecado com a sinceridade, não é capaz de reconhecer a verdade. Ele é o mais manipulado – por Natalie. Mas nunca vai saber disso.Tomas Bezucha dirige “The Family Stone”. A idéia básica do filme é mostrar a família alternativa americana não mais como alternativa, mas como oficial. E tudo em estilo de comédia romântica. O enredo é simples: filhos chegam para o Natal na casa de mamãe, no caso, Diane Keaton.Aqui, a verdade e a sinceridade não precisam ser procuradas. Elas são estampadas minuto a minuto na cara de todos. Então, sendo assim, ninguém é infeliz. Como alguém seria infeliz vivendo na verdade – pensa o americano médio. Se o irmão fica com a noiva do irmão e este, por sua vez, se apaixona pela irmã da noiva, tudo bem, pois ninguém esconde isso. Sinceridade traz verdade. A família funciona, a roda gira, a América caminha.Se a mãe chega e conta para todos, no Natal, que está com câncer, e os filhos, sem qualquer pudor, caem de choro em cima dela, tudo bem. Sinceridade traz verdade. A família funciona, a roda gira, a América caminha.Se um filho é gay e mudo e namora um negro, tudo bem. Basta que todos saibam como incluir mudos, gays e negros na família. Diane Keaton e seu marido, Kraig Nelson, sabem fazer tudo isso como ninguém. Aliás, a família toda ama o negro e ama falar na linguagem de surdos-mudos, sem qualquer problema. São três irmãos e uma irmã. Todos agem como se tivessem treinado a vida toda para a chamada “política de inclusão”, que é o resultado atual do “politicamente correto”. Pois a felicidade depende apenas de uma coisa: falar tudo, não deixar nada na gaveta ou, no caso, no armário. Sinceridade e verdade. Fazendo assim a família funciona, a roda gira e a América caminha.Em “La mujer di mi hermano”, Ricardo de Montreuil dirige o belo trio Bárbara Mori, Christian Méier e Manolo Cardona. A história se passa no México. Bárbara gostaria que o marido, Méier, rendesse mais na cama do que ele rende, e que viesse mais para a cama do que vem. Na falta disso, se deixa envolver por Manolo, o irmão de Méier.O casal não pode ter filhos, ou melhor, ele não pode. Ficamos logo sabendo disso, pois no relacionamento extra-conjugal, Bárbara fica grávida. Ela espera que Manolo, o verdadeiro pai, a acolha, uma vez que ela já saiu de casa. Mas Manolo é um pintor boêmio, e não quer ter filhos. Ele a descarta. O único a oferecer amor é seu antigo marido, Méier. Até então, ele viveu sob um segredo: não contar jamais que era gay. Ao recuperar Bárbara, ele confessa que é gay, o que ela, de certo modo, já sabia. Ele e ela vão guardar segredo e manter o casamento daquele modo. Como? Os encontro dele, com homens, fora de casa e às escondidas. Sua vida de macho, casado e economicamente bem sucedido não será tocada. Por mais que seu irmão boêmio venha a falar para os quatro quantos que ele é gay, agora, com o consentimento de Bárbara, isso cairia por terra mais ainda do que antes.Não se pode dizer que Bárbara e Méier terminam radiantes por optarem pela sinceridade sem ter de optar pela verdade. Sim, pois eles irão ter vidas semi-secretas um para o outro, e usaram do pacto para blindar os de fora. No fundo, partilharão da mentira. Usarão da mentira. Todavia, eles mesmos, não acham que vão ser infelizes. No limite, apostam que serão mais felizes pela mentira, e não com a verdade. Separam bem a sinceridade da verdade. A primeira se dá no momento do pacto e somente entre eles dois, quando cada um confia no outro no que ele pode dar. A segunda, a verdade, enfim, não vai existir mesmo. Para ninguém. Ninguém vai, objetivamente, poder tocá-la mais.



Paulo Ghiraldelli Jr.




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