2ª Oficina do Grupo: Cinema e Filosofia no Coronel Pilar

Dia 22/08/07 ocorreu a 2ª Oficina do Grupo: Cinema e Filosofia transversalidade na formação juvenil na Escola Coronel Pilar. O 2º encontro tratou de um filme mais sócio-político sobre o massacre em Columbine, EUA.


Elefante. Direção de Gus Van Sant, EUA 2003. Drama. Duração: 85 minutos.
Sinopse:Um dia aparentemente comum na vida de um grupo de adolescentes, todos estudantes de uma escola secundária de Portland, no estado de Oregon, interior dos Estados Unidos. Enquanto a maior parte está engajada em atividades cotidianas, dois alunos esperam, em casa, a chegada de uma metralhadora semi-automática, com altíssima precisão e poder de fogo. Munidos de um arsenal de outras armas que vinham colecionando, os dois partem para a escola, onde serão protagonistas de uma grande tragédia.

Temas: Ética; Relação Humana; Alteridade.

Comentário: Para começar, Elefante (Elephant, EUA, 2003), de Gus Van Sant, não é um filme violento mesmo que a temática seja a própria violência. Segundo item importante: Ainda que o título seja uma homenagem ao filme homônimo do britânico Alan Clarke, de 1989, que também retratava a violência e dizia que certos problemas são tão difíceis de ignorar como um elefante em uma sala de estar, o de Van Sant trata apenas de um paralelo com uma antiga parábola dos cegos, em que um grupo deles toca em partes diferentes de um elefante e cada um diz entender a natureza do animal, colocando-o como um abanador, uma árvore, uma corda, uma cobra ou uma lança, ou seja, que uma questão sempre tem diversos ângulos para ser analisados. Finalmente, terceiro aviso, a película é um importante retrato antropológico de uma sociedade, uma sociedade tão esquizofrênica quanto a norte-americana. A trama é relativamente simples. Um dia na vida de um grupo de adolescentes em período letivo, que culmina com o massacre de estudantes, ato realizado por dois deles. Tudo dura um dia apenas, as histórias de cada um se interligam para determinar os papéis de cada um deles no ato vindouro. Para acompanhar o ritmo, Van Sant usou a proporção de 1:33 para filmar, que verticaliza um pouco mais as tomadas (os filmes tradicionais usam a medida de 1:85), a interligação entre o céu e a disposição do que vai acontecer na história e o suporte na liberdade aos atores - quase todos recrutados em escolas da norte dos EUA e sem experiência prévia.
Porém, a grande sacada do diretor está na ironia da apresentação dos fatos. Ele não condena, ele não demonstra choque, ele simplesmente apresenta (daí o teor antropológico). Os garotos e garotas envolvidos são pessoas comuns, têm um dia comum em que ao final, um evento extraordinário acontece. O caminho para a violência extremada não é apontado por um fato específico. Muito pelo contrário. Van Sant desconstrói alguns dos mitos que cercaram, por exemplo, o massacre em Columbine High School, em 1999.
Na vida real, o freak Marilyn Manson foi acusado de ser uma das causas da violência. No filme, "Für Elise", de Ludwig Van Beethoven (1770-1827), é a música dos assassinos. Em Columbine, os norte-americanos tentaram ligar os jovens ao neonazismo. Van Sant, na cena mais pungente de Elefante, mostra a total desinformação dos atiradores, que aguardam a chegada do rifle, comprado via Internet, enquanto assistem a um documentário sobre Adolf Hitler (1889-1945) e demonstram total alienação ao contexto histórico. Enquanto cenas da sociedade alemã, militar e violenta, são expostas, um caminhão de entregas aparece confirmando todas as facilidade que o "totalitarismo democrático" norte-americano permite à individualidade. Se para os brasileiros a violência surge de outros fatores, o retrato antropológico de Van Sant é irônico e cínico, de um vigor assustador. Jovens são apenas jovens, em cada lugar do mundo. As razões para o desvio ético e moral estão em todas as partes e em nenhuma ao mesmo tempo. O inexplicável, como a chuva de sapos em Magnólia, pode ser um fator que aturde os que buscam respostas em cada mínimo detalhe.
Mas como se fôssemos uma sociedade baseada na filosofia do Super-Homem, de Friedrich Nietzsche (1844-1900), o poder do desafio vai muito além do que se imagina e quando a competição é colocada em pontos extremos - como é comum nas High Schools dos EUA - qual o limite da sanidade e qual o poder da insanidade (mesmo que temporária) para jovens ainda em busca de referência e formação? Elefante te dá uma pista muito boa da resposta. Elefante se passa numa high-school como outra qualquer. Não é Columbine, mas também não é nenhuma outra em particular. Ao não citar local nem data, Elefante adquire uma dimensão importantíssima, que não reduz o problema a nenhuma ordem social específica, a nenhum contexto específico. Na cena no quarto de Alex, um dos dois garotos responsáveis pelos tiros, esclarece-se a postura essencial de Gus Van Sant perante o tema: enquanto Alex toca Beethoven no piano, a câmera gira 360º mostrando tudo que está à volta dele, todo o universo multicultural e multicolorido que o circunda: videogames, quadros e desenhos na parede (um deles, um elefante), roupas espalhadas, televisão. Quem o levou a arquitetar o massacre? Beethoven? O videogame que ele e o amigo/cúmplice jogam, daqueles em que o jogador assume o ponto de vista de alguém que atira em pessoas que atravessam na sua frente (momento de auto-blague de Van Sant, pois o jogo consiste nos personagens de Gerry sendo abatidos no deserto)? O documentário sobre o nazismo a que eles assistem na televisão? O acesso fácil às armas de fogo, bastando clicar num site da internet e recebê-las em casa, via sedex? Tal resposta nunca emerge das imagens de Elefante. Num episódio em que já imperava a lógica do absurdo e da aleatoriedade, o unidunitê final vem como o encerramento a um só tempo seco e aterrador. Do neo-slasher aos documentários à la GNT, nenhum trabalho atinge o que Elefante conseguiu atingir nesse universo estudantil norte-americano, seja em matéria de suspense, seja em matéria de captação imediata de um acontecimento.

Bibliografia recomendada:

LÉVINAS, EMMANUEL. Entre Nós.
KIERKEGAARD, SÖREN. O Conceito de Angústia.
FROMM, ERICH. Psicanálise da Sociedade Contemporânea.





































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