PRÓ E CONTRA O CINEMA - Internacional Situacionista

Internationale Sirtuationniste #1 (June 1958)

No sentido em que seu desenvolvimento mostra uma contínua tendência para integrar novas tecnologias mecânicas, o cinema é a arte central de nossa sociedade. Logo, ele é a melhor representação de uma era de intervenções anarquicamente justapostas (não articuladas, mas meramente adicionadas) - não só como expressão anedotal e formal, mas também em sua infra-estrutura material. Seguindo o advento da grande tela, a introdução da estereofonia e tentativas de gerar imagens tridimensionais, o mais recente desenvolvimento foi revelado na exposição de Bruxelas pelos Estados Unidos. Por meio de um processo chamado "Circarama"*, noticiado no Le Monde em 17 de abril, "nos encontramos no centro do espetáculo, vivenciando-o - fomos integrados nele. Quando as imagens da Chinatown de São Francisco são capturados por uma câmera montada num carro, experimentamos reflexos e sensações, como se fossemos passageiros". E mais, aplicações recentes de aerossóis abriram caminhos para experimentos com o cinema aromático, seus efeitos realísticos antecipados sem objeção.


O cinema é então apresentado como um substituto passivo para a atividade artística unitária agora possível. É a matéria-prima usada pelas forças reacionárias para o espetáculo da não-participação. Não tememos afirmar que antes se vivia no mundo por sabermos que o indivíduo se descobre sem liberdade no centro de um espetáculo deplorável por que "fomos integrados nele". Mas isso não é vida, e os espectadores da mesma forma não estão no mundo. Aqueles que querem construir o mundo devem combater a tendência do cinema de constituir a anti-construção de uma situação (a construção de uma ambiência escrava, um sucessor similar das catedrais), enquanto ao mesmo tempo reconhece o interesse que aplicações tecnológicas válidas como o stereo e o cheiro podem conter em si mesmos.

Certos sintomas da arte ainda não fizeram sua aparição no cinema. Por exemplo, certos trabalhos formalmente destrutivos, que têm sido aceitos por vinte ou trinta anos na literatura e nas artes plásticas, ainda são rejeitados mesmo nos clubes de cinema. Este atraso se dá não só devido diretamente aos meios econômicos, ou por ele ser feito de idealismos tais como a censura moral, mas também pela importância positiva da arte cinematográfica na sociedade moderna. Tal importância é devida aos expedientes superiores de influência que estão presentes nas obras cinematográficas, levando necessariamente ao crescente controle do meio pelas classes dominantes. Estas circunstâncias, por isso, demandam que a luta pela tomada de um setor verdadeiramente experimental do cinema deva ser tratada agora.

Podemos visualizar dois usos distintos para o para o cinema: primeiramente, sua utilização como uma forma de propaganda no período de transição pré-situacionista; e, sem segundo lugar, sua aplicação direta como um elemento constituinte de situações realizadas.

Em sua atual importância para as vidas de todos, as limitações que fermentam sua renovação, e a imensa significação de não fazê-lo sem a liberdade que esta renovação possa trazer, o cinema é então comparável à arquitetura. É necessário tirar vantagem dos aspectos progressivos do cinema industrial, e, tal como na organização da arquitetura em favor da ambiência psicológica, podemos extrair a pérola oculta enterrada no esterco da funcionalidade absoluta.

* Circarama é um produto típico da cinema-espetáculo americano, projetado numa tela de 360 graus contínuos. A invenção, desenvolvida por engenheiros da Walt Disney nos anos 50, deslumbrou muitos visitantes da Feira Mundial de Bruxelas pela novidade e vertiginoso efeito visual, que em parte antecipava o surgimento da realidade virtual (N. do Trad.).

Tradução do inglês por Ricardo Rosas

Texto extraído do site anti-copyright Textz (www.textz.com).

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