Artigo apresentado no VII Encontro com o Japão em Porto Alegre

COGITO ERGO PROXY: FILOSOFIA E ANIME ENTRE A IMAGEM E A EDUCAÇÃO
Everson Daniel Silva da Costa
Luis Ferreira de Almeida Neto

Do Anime a Filosofia: Entre imagens e Conceitos

Uma das alternativas de se trabalhar com imagem em movimento numa aula de filosofia que geralmente são contempladas com apenas 50 minutos ou 40 minutos semanais, seria a utilização do anime, como são chamadas as animações japonesas. Não só pelo tempo, que os animes oferecem, entre 20 minutos por episódio, mas, também pela complexidade que eles carregam em si, com suas metáforas e uma verve muito significativa de conceitos-imagens.
De todas as obras de animes, Ergo Proxy se destaca por sua linguagem pratica perante os demais animes que abordam uma temática filosófica sendo acessível como um material alternativo em sala de aula. Sem abusar de uma linguagem comum a tantas séries que utilizam informações filosóficas em seu enredo e sem diluir o conteúdo de modo a tornar tudo mais acessível ao grande público, Ergo Proxy consegue levantar questões importantes e manter a narrativa como um todo ainda muito interessante. A necessidade de se ter uma "raison d'être", ou razão de ser, e de ser reconhecido pelos outros como igual para que sua existência seja legitimada. O que seriam as lembranças e memórias? O acordar da consciência? E toda a questão cartesiana do "penso, logo existo" que toma um rumo semelhante ao utilizado em Ghost in the Shell até que ponto o consciente das máquinas deve ser considerado como algo fora dos padrões da sociedade, quando comparadas aos humanos, especialmente numa sociedade em que ambos são praticamente produzidos da mesma forma, em série? A questão da clonagem é tratada com muita ênfase neste seriado, instigando o telespectador a realizar analogias com os conceitos éticos sobre a liberação ou a condenação da clonagem animal, que atualmente tem sido alvo de grande estudo e discussão entre especialista da área. Apesar de alguns momentos "monstro do dia", Consegue manter uma seriedade e sua temática complexa inalterada quase ao longo de toda a narrativa.
A racionalidade humana sempre foi um assunto de diversas definições, porém a famosa frase de Descartes “Penso logo Existo”, dá uma definição mais concreta do que seria ser racional em uma sociedade humana caracterizada por sua propriedade de “Pensar”, Descartes coloca que se pensamos racionalmente, poderemos assim, ser reconhecidos como integrantes de um grupo social formado por seres pensantes. Ergo Proxy tem várias referências sobre Jacques Lacan, George Berkeley, Edmund Husserl e Jacques Derrida, grandes pensadores que deram nome aos quatro membros do Entourage. Muitas das idéias criadas e desenvolvidas por eles aparecem com força em Ergo Proxy. E, claro, se levarmos em conta o nome do anime (Ergo Proxy) e o nome do vírus (Cogito), não é difícil chegar à famosa frase supostamente proferida por René Descartes, "Cogito, ergo sum", ou o já citado "penso, logo existo". Como "proxy" pode ser traduzido como "intermediário" ou "substituto", basta juntar os pontinhos para chegar às conclusões, sendo que “Cogito Ergo Sum” = “Penso logo Existo” e “Cogito Ergo Proxy”= “Penso logo Crio”.
Citando alguns animes que abrem as portas para adentrar o mundo da filosofia, levando problemáticas cotidianas para os alunos: Soukyuu no faffner, seu conteúdo é forte o bastante para pôr em cheque nossas convicções e teorias sobre o que somos e o que poderíamos ter sido no milagre da criação do universo. É uma história que se deve prestar muita atenção, mas muita mesmo, pois ela é complexa. Entender conceitos como Mir, Fenrir, Núcleo (ou âmago), a própria noção de Festum, não é tarefa fácil e tão pouco pode ser esboçada assistindo só alguns capítulos. Mesmo vendo toda a história, muitos porquês permanecem. Ao assistirem, talvez muitos se lembrarão de Neon Genesis Evangelion pois aqui, como em Soukyuu, a humanidade lida com o desconhecido, um desconhecido que almeja algo para além de nossa compreensão. Soukyuu no Fafner trabalha muito bem o campo teórico da alteridade que é encontrado em alguns filósofos como Lévinas, Sartre, Lacan... Uma das coisas mais marcantes deste anime é trabalhar é alteridade de como as pessoas nos afetam e como a gente conciliar isto... Os humanos para sobreviverem irão antes de se protegerem terão que ajudar na sobrevivência do que é importante, ou seja, o outro.
E NHK, anime baseado no livro de Takimoto Tatsuhiko, que conta de uma forma cômica o dia-a-dia de um Hikikomori. Hikikomori é um apelido dado para uma pessoa que se sente isolado da sociedade e prende-se na sua casa ou quarto, sem sair por um longo tempo. Além do tema principal, a história trata também sempre dentro da comédia temas como a pedofilia, a vida de otaku, o vício em jogos online, pactos de suicídio pela internet, etc.
Através destas ligações com o real e o cotidiano, a animação japonesa torna-se uma ferramenta importante para a compreensão de certos conceitos filosóficos, que estão embutidos no(s) conceito(s)-imagem delas, e do ponto de vista prático, pelo curto espaço de tempo que o episódio comporta, mais ou menos vinte minutos, facilitando assim o trabalho em relação ao problema de horário enfrentado pelo professor de ensino médio. Outro ponto positivo a salientar seria a oportunidade de levar algo que está fora do cotidiano escolar, do aluno, ou seja, estaria também apresentando algo novo, fazendo em sala de aula, uma experiência cultural e estética, além da pedagógica.


Anime e Filosofia: Possibilidades

A mídia esta presente em mais de 90% das residências brasileiras, sendo assim, o recurso mais presente no cotidiano dos jovens, onde televisão, internet etc. inovam as leituras de mundo, expressam diferentes opiniões e concepções, introduzindo novas formas de cultura e costumes no jovem. A animação deixou de ser sinônimo de “material de recreação infantil”, surgem como um material didático de acessível compreensão dos fatos polêmicos que cercam a comunidade mundial poderíamos dizer que a animação do século XXI é uma semente do senso critico, um gerador de pensamentos e indagações que fornece forças para que novos horizontes sejam descobertos. Os animes, podem ser colocados como um método inovador, um introdutor de uma nova cultura que manipula em suas imagens animadas, uma fonte rica em recursos filosóficos, com o uso de uma linguagem simplificada e direta apresentada ao estudante uma nova maneira de ver a filosofia, e com isso também mostrar a cultura oriental, que está um pouco distante do ocidente, e com a globalização, podemos aproximar um pouco através do ensino-aprendizagem oriente-ocidente.
E é neste caminho que o educador, neste caso, o professor de filosofia, deve se valer do cinema, do filme em sala de aula. Através do processo imagético levar o educando em um processo que lhe enseje no mundo da filosofia, que o faça adentrar no plano teórico conceitual filosófico pela porta das imagens em movimento, que são os filmes. Nesta forma é realizada uma inserção do filme como uma narrativa que comporta e apresenta, através da imagem em movimento, problemas filosóficos importantes que na forma de texto não “afetam” o sujeito na sua radicalidade. Não só apenas pela razão lógica, mas também pela razão pática, uma razão que Cabreira (2006) chama de logopática é que filme desenvolve um ou mais conceitos-imagens. Este, o conceito-imagem, que deve ser problematizado e compreendido, também de forma rigorosa e não apenas pela assistência desinteressada das cenas do filme.
Então, com este recurso didático pedagógico poderíamos adentrar o universo do jovem aluno e trazê-lo ao universo da experiência filosófica com um instrumento que está presente no seu dia. O jovem é bombardeado constantemente a imagem, e fazê-lo começar a pensar crítica e autonomamente acerca do que além do que a mídia e o cotidiano lhes oferecem um pensamento além dos critérios da indústria, da coisificação e da obediência à regra inquestionável do consumo automático. Essa inserção do aluno na filosofia através dos filmes não é de todo alienígena, “porque se admitirmos que a relação com a obra audiovisual participa de modo significativo da formação geral das pessoas” (DUARTE, ROSÁLIA, 2002.p. 17), o cinema deixa de ser apenas um complemento, uma ajuda adicional dentro da sala de aula, ele começa a atuar como um agente explicitador de idéia, com conceitos, como dito antes, um recriador, reconstrutor do mundo através da filosofia e uma porta de entrada para o saber filosófico. A união da experiência filosófica com o processo imagética pode resultar num espaço de criação e recriação de conceitos, um lugar de experiência filosófica vivida e impactante. Uma chance de sairmos daquele canto escurinho da sala de vídeo e conceber uma incursão que ajusta cinema e filosofia.


REFERÊNCIAS

ANDREW, J. DUDLEY. As Principais Teorias do Cinema: uma introdução. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2003.
BUCCI, EUGÊNIO e KEHL, MARIA RITA. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004.
CARMONA, Ramón. Cómo se comenta um texto fílmico. Terceira edição. Madri: Ediciones Cátedra, 1996.
CABRERA, JULIO. O Cinema Pensa: Uma introdução Á Filosofia Através dos Filmes. Tradução de Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.
CANEVACCI, MASSIMO. Antropologia do Cinema. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
DUARTE, ROSÁLIA. Cinema e Educação. 2ª Ed. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2002.
METZ, CHRISTIAN. Linguagem e cinema. Tradução de Marilia Pereira. Coleção debates. Editora Perspectiva.
NAPOLITANO, MARCOS. Como usar o cinema na sala de aula. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2005.
SETTON, Maria da Graça J. (org.). A cultura da mídia na escola: ensaios sobre cinema e educação. São Paulo: Annablume : USP, 2004.

Dados dos Animes:

• ErgoProxy. Diretor: Shukou Murase. Estúdio: Manglobe. País: Japão. Ano: 2006. Episódios: 26. Duração: 23 minutos/cada.
• Soukyuu no Fafner. Diretor: Nobuyoshi Habara. Estúdio: XEBEC/ Starchild. País: Japão. Ano: 2004. Episódios: 25. Duração: 24 minutos/cada.
• NHK ni youkoso. Diretor: Yusuke Yamamoto. Estúdio: Gonzo. País: Japão. Ano: 2006. Episódios: 24. Duração: 24 minutos/cada.

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